Arquivos da categoria: Literatura

Cavalos de Netuno (1892), de Walter Crane

 

Nesta tela a óleo de Walter Crane (1845-1915), pintor e militante do Partido Socialista Britânico, a força natural das ondas é figurada no galope monumental de cavalos de guerra. Sugestão de leitura: o prólogo de Walter Crane a Socialism and Art, de 1907, disponível neste site:

http://www.wcml.org.uk/contents/creativity-and-culture/art/walter-crane/socialism-and-art-forward-by-walter-crane/?keyword1=walter+crane&keyword2=

Nosso Tempo de Carlos Drummond de Andrade

Sugestão de poema encaminhada pelos colegas da Comissão de Comunicação de Diadema:

Nosso Tempo, Carlos Drummond de Andrade
(In A Rosa do Povo)

Este é tempo de partido,
tempo de homens partidos.
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O Elefante, de Carlos Drummond de Andrade

Um poema de Drummond, publicado em A Rosa do Povo (1945), para acolher esse comecinho de fim de semana e todos os pensamentos de luta e de esperança que vierem com ele. Boa leitura!

Fabrico um elefante
de meus poucos recursos.
Um tanto de madeira
tirado a velhos móveis
talvez lhe dê apoio.
E o encho de algodão,
de paina, de doçura.
A cola vai fixar
suas orelhas pensas.
A tromba se enovela,
é a parte mais feliz
de sua arquitetura.

Mas há também as presas,
dessa matéria pura
que não sei figurar.
Tão alva essa riqueza
a espojar-se nos circos
sem perda ou corrupção.
E há por fim os olhos,
onde se deposita
a parte do elefante
mais fluida e permanente,
alheia a toda fraude.

Eis o meu pobre elefante
pronto para sair
à procura de amigos
num mundo enfastiado
que já não crê em bichos
e duvida das coisas.
Ei-lo, massa imponente
e frágil, que se abana
e move lentamente
a pele costurada
onde há flores de pano
e nuvens, alusões
a um mundo mais poético
onde o amor reagrupa
as formas naturais.

Vai o meu elefante
pela rua povoada,
mas não o querem ver
nem mesmo para rir
da cauda que ameaça
deixá-lo ir sozinho.

É todo graça, embora
as pernas não ajudem
e seu ventre balofo
se arrisque a desabar
ao mais leve empurrão.
Mostra com elegância
sua mínima vida,
e não há cidade
alma que se disponha
a recolher em si
desse corpo sensível
a fugitiva imagem,
o passo desastrado
mas faminto e tocante.

Mas faminto de seres
e situações patéticas,
de encontros ao luar
no mais profundo oceano,
sob a raiz das árvores
ou no seio das conchas,
de luzes que não cegam
e brilham através
dos troncos mais espessos.
Esse passo que vai
sem esmagar as plantas
no campo de batalha,
à procura de sítios,
segredos, episódios
não contados em livro,
de que apenas o vento,
as folhas, a formiga
reconhecem o talhe,
mas que os homens ignoram,
pois só ousam mostrar-se
sob a paz das cortinas
à pálpebra cerrada.

E já tarde da noite
volta meu elefante,
mas volta fatigado,
as patas vacilantes
se desmancham no pó.
Ele não encontrou
o de que carecia,
o de que carecemos,
eu e meu elefante,
em que amo disfarçar-me.
Exausto de pesquisa,
caiu-lhe o vasto engenho
como simples papel.
A cola se dissolve
e todo o seu conteúdo
de perdão, de carícia,
de pluma, de algodão,
jorra sobre o tapete,
qual mito desmontado.
Amanhã recomeço.

Fonte: Andrade, Carlos Drummond de. “O Elefante”, in A Rosa do Povo. Rio de Janeiro: Record, 1988, pp. 104-107.