Nas universidades, os anos 1970 acabaram

Cláudia Tessari – Para a Folha de São Paulo – Comparar docentes a crianças é desleal, ainda mais vindo de quem começou a carreira em outros tempos. Assino estágios que pagam 30% do meu salário

É inacreditável que a Folha publique um artigo tão desrespeitoso como o do professor Rogério Cerqueira Leite, aqui na seção Tendências/Debates (“A greve universitária e o princípio do prazer”), que saiu no último dia 16. Ele comparava os docentes das universidades federais em greve com crianças com dificuldades para transitar para a maturidade.

Há muitas questões em jogo na greve dos docentes das universidades federais, uma delas tem particular importância: a atratividade da carreira docente.

É por esse ângulo que devemos analisar as questões salarial e de plano de carreira. Essas podem até parecer lutas corporativas para quem tem visão estreita e se nega a reconhecer as evidências. Porém, carreira e salários atraentes são extremamente significativos para a atração de quadros qualificados. Sem esses, não se estrutura o sistema universitário de que o país necessita.

Atualmente, numa série de áreas, não há nem sequer candidatos inscritos para os concursos para professores nas universidades, pois os salários no mercado privado são muito maiores.

Eu, por exemplo, chego a assinar autorizações para realização de estágio para alunos que mal saíram do ensino médio e cujas bolsas são 30% do valor do meu salário após eu ter feito graduação, mestrado e doutorado.

O professor emérito da Unicamp e atualmente membro do conselho editorial da Folha, quando voltou para o Brasil no início dos anos 1970 a convite do fundador da Unicamp, professor Zeferino Vaz, trocou “o Bell Labs, nos Estados Unidos, até então o laboratório de pesquisa mais importante do mundo, pelo desafio de ajudar na formação da massa crítica que imprimiria à Unicamp a marca de universidade voltada para a pesquisa”, segundo uma entrevista publicada recentemente no site www.univesp.ensinosuperior.sp.gov.br.

Qual era o poder de compra do salário do professor da Unicamp naquela época, comparado com o poder de compra do pesquisador do Bell Labs? E hoje?

Qual relação encontraríamos atualmente se comparássemos o salário de um pesquisador do centro de pesquisa do Google ou do Facebook nos Estados Unidos com o salário de um professor de uma universidade federal? Quais as perspectivas de carreira que se colocavam à geração do professor?

Certamente o professor irá dizer que não voltou ao Brasil para participar da formação da Unicamp por causa do salário. Sabe-se que a Unicamp foi fundada para ser uma universidade de excelência e que este projeto ousado e corajoso atraiu não só o professor mas também muitos outros pesquisadores de alto nível.

E hoje, podem as universidades federais oferecer condições de trabalho que assegurem o ensino, a pesquisa e a extensão de qualidade com salários aviltantes e plano de carreira desestruturado?

Chega a ser desleal alguém tratar com tanto desrespeito profissionais da mesma carreira mas que, hoje, têm condições de trabalho muito piores do que as que ele teve no seu início de carreira.

CLÁUDIA TESSARI, 38, doutora em economia pela Unicamp, é professora e coordenadora do curso de economia da Universidade Federal de São Paulo

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