Universidades federais: o governo vai contratar novos grevistas Comente

Leonardo Sakamoto – blog do Sakamoto – Não se discute a necessidade urgente do país produzir mão de obra qualificada e pesquisa de ponta. Mas, ao mesmo tempo, não queremos investir para que isso aconteça, como se avanços educacionais, científicos e tecnológicos acontecessem por geração espontânea. O governo federal afirma que chegou ao seu limite e não quer mais negociar com os professores das universidades em greve. Apresentam números para mostrar que a categoria não tem o que reclamar.

E nada melhor que pessoas que mexem com números para detalhar melhor a bomba-relógio que estamos armando. Pedi a Ricardo Summa e Gustavo Lucas, professores do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, um texto sobre demandas que estão sendo apresentadas pelos grevistas para evitar que o futuro das universidades federais brasileiras seja tão sombrio quanto o que se desenha no horizonte. Segue:

Perdas reais: o professor ingressante e o futuro das universidades federais

A maioria das universidades federais se encontra em greve há quase 80 dias. Além das precárias condições de trabalho, a remuneração é um motivo de insatisfação para grande parte dos docentes, principalmente aqueles que estão nas maiores universidades, nos grandes centros urbanos. O governo federal, não contente com esse cenário, ainda pretende mandar um projeto ao Congresso Nacional que confere perda real para os novos professores ingressantes e um rebaixamento funcional destes.

O secretário de educação superior do Ministério da Educação, Amaro Lins, considerou que a proposta do governo de reajuste salarial e reformulação da carreira para os professores federais tornaria a profissão atraente, no sentido de incentivar profissionais qualificados a ingressar e permanecer na vida acadêmica (ao invés de buscarem maiores remunerações em outros empregos públicos ou privados). De fato, conseguir bons quadros para as universidades federais é de grande importância para que, pelo menos, seja mantida a qualidade do ensino, da pesquisa e da extensão ali realizados. Mas, em nossa avaliação, esse objetivo será mais difícil de ser alcançado do que já é hoje caso o governo ignore o apelo da maioria das instituições que ainda estão em greve e envie o projeto de lei ao Congresso. São duas as razões para isso: uma relativa à remuneração e outra à carreira em si.

Remuneração: o aumento para o professor ingressante com doutorado que o governo propõe é inferior à inflação. Supondo que esta será igual a 4,5% nos próximos anos, valor da meta perseguida pelo governo, em termos reais (ou seja, o aumento do salário nominal descontado pela inflação) o que ocorre são perdas de salário para os professores doutores recém-contratados em relação ao que recebiam em 2010 (a data inicial de julho de 2010 foi escolhida por ter sido o último reajuste com ganhos reais). No gráfico abaixo, a linha azul representa a evolução do salário nominal com reajustes que cobrem apenas a inflação (em outros termos, representa a evolução do salário nominal de forma a manter o salário real constante), e a linha vermelha representa a evolução do salário nominal com os reajustes propostos pelo governo.

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Quando a linha azul está acima da vermelha, significa que o salário do ingressante em termos de poder de compra real está abaixo do que era em julho de 2010. Percebemos, portanto, que em nenhum momento o ingressante conseguirá recuperar a situação de julho de 2010. Quando uma universidade federal em março de 2015 quiser contratar um ingressante com doutorado, terá que atraí-lo com uma remuneração 7% menor em termos reais do que o fazia em 2010. Isso sem contar que, caso a inflação fique acima do centro da meta, fato que ocorreu nos anos de 2010 e 2011, essa perda será ainda maior.

Carreira: um problema importante da proposta é que esta promove um rebaixamento do cargo inicial de professor doutor. No modelo atual para o plano de carreira, ele entra como professor Adjunto I. No modelo proposto pelo governo, o professor doutor recém-contratado entraria como professor auxiliar, e teria que passar três anos para chegar à condição de Adjunto I. Entraria, portanto, ainda mais longe do topo da carreira.

Devido a esses dois elementos mais gerais, nos parece bastante claro que a carreira de professor universitário federal tornar-se-á cada vez menos atrativa. O problema só tende a se agravar porque o governo já criou para os próximos três anos 19.569 novas vagas apenas para professores do magistério superior. Considerando que hoje a quantidade de professores em atividade das universidades federais consiste em um pouco mais de 68 mil, isso representa uma expansão de quase 30% do quadro docente.

Foi divulgado nos principais meios de comunicação que a contratação de professores ocorrida no passado recente (em que a abertura de concursos foi muito menor do que a que está prevista para o futuro) para algumas áreas e universidades deu-se com dificuldades, devido à falta de profissionais com a qualificação requerida pelos concursos. Na verdade, a razão para esse fenômeno é muito simples: o salário inicial e as condições de trabalho afastam os melhores candidatos, muitas vezes antes mesmo de completar o doutorado, que acabam em empregos de melhor remuneração tanto no setor público quanto no setor privado.

Esperamos que o governo desista de enviar esse projeto e corrija esse grave problema, para evitar que esses novos 19.569 futuros ingressantes não sejam os novos insurgentes daqui a três anos.

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